A Revista Automotive esteve em Dresden para conhecer melhor o processo de fabricação do combustível sintético, onde é possível produzir diesel a partir de água e de CO2.
Estivemos assim na Sunfire, empresa fundada em 2010 na cidade de Dresden, na Alemanha. Durante quase um ano, três sócios permaneceram os únicos funcionários da empresa, trabalhando num projeto de fechar o ciclo de carbono. Em 2011 e face aos avanços tecnológicos desenvolvidos a empresa teve um impulso ao receber apoio do governo alemão, passando para 30 funcionários. A empresa atraiu a atenção de investidores, foi evoluindo e hoje a Sunfire emprega cerca de 120 trabalhadores diretos e tem como acionistas diversas empresas como a Bilfinger, a EDF Group e um fundo controlado pela Allianz.
Criar combustível
A Sunfire foi pioneira no processo denominado Power-to-Liquids (PTL) que consiste na transformação de água e dióxido de carbono em crude. Esse crude, pode depois ser transformado em diesel ou gasolina. O processo é altamente complexo, mas tentaremos explicar de forma simples como tudo funciona.
Os combustíveis (diesel e gasolina) são hidrocarbonetos compostos por uma cadeia de átomos de carbono (C) e de hidrogénio (H). Por sua vez a água (H2O) é composta por dois átomos de hidrogénio (H) e um de Oxigénio. O dióxido de carbono (CO2) é composto por um átomo de carbono (C) e dois de oxigénio. Resumindo, tudo o que é preciso para fazer combustível é conseguir juntar numa cadeia, os átomos de hidrogénio (H) e os de carbono (C), contidos na água e no do dióxido de carbono respetivamente.
A Sunfire criou assim o processo Power-to-Liquids que é composto por três passos:
1 Eletrólise de alta temperatura: este passo consiste em conseguir dividir os átomos da água para retirar o hidrogénio, através da eletrólise de alta temperatura. Para tal é preciso água, eletricidade e uma célula de combustível de óxido sólido.
2 Reator de conversão: os átomos de hidrogénio separados anteriormente são enviados para um reator de conversão, onde são misturados com dióxido de carbono de forma a reduzir o CO2 em CO. O produto desta redução é denominado gás de síntese (CO e H2).
3 Fischer-Tropsch : através do processo de Fischer-Tropsch, é convertido o gás de síntese do passo anterior num hidrocarboneto, denominado Crude Azul.
O Crude Azul, tal como o crude de petróleo tem diversas utilizações. Para obter o combustível usado nos automóveis, é preciso mais um processo no caso do diesel e dois processos no caso da gasolina.
Assim, através de um processo de destilação pode-se transformar o Crude Azul em Nafta, Diesel ou Parafina. Para produzir a gasolina é necessário um segundo processo, ou seja através da refinação, transformar a Nafta em gasolina.
Pureza do produto
Ao contrário do Crude de petróleo, o Crude Azul é ultra-puro, não contendo sulfuro, nitrogénio nem hidrocarbonetos aromáticos. Estes últimos são considerados cancerígenos e se tivermos em conta que a Parafina é um dos produtos mais usados na indústria da cosmética, apercebemos da importância de ter um crude puro para se trabalhar.
Nos casos do diesel e gasolina, a pureza do Crude Azul é fundamental para se ter um combustível sem impurezas, enquanto não se perde capacidade de combustão no processo de destilação ou refinação. Este combustível derivado do Crude Azul é o denominado combustível azul.
Por exemplo o cetano é uma medida que avalia a qualidade de combustão de um líquido. O diesel proveniente de crude de petróleo tem um número de cetano que ronda os 55, enquanto o diesel do Crude Azul tem um cetano de 70. O diesel da Sunfire tem assim maior facilidade de combustão face ao diesel normal, significando um menor esforço dos componentes dos motores para a explosão, bem como uma menor acumulação de impurezas no motor.
Proveniência das matérias-primas
As matérias-primas do processo PTL são a água, eletricidade e dióxido de carbono. A água para ser utilizada provém dos rios, ou saídas de estações de tratamento de água (ETAR). A eletricidade provém de um fornecedor externo, que obtém a energia através de fontes renováveis como as torres eólicas ou os painéis solares.
O dióxido de carbono é um subproduto proveniente de instalações de produção de biogás na região, ou através da captação de dióxido de carbono diretamente da atmosfera, por um processo inovador levado a cabo pela empresa suíça Climeworks.
Um dos objetivos da Sunfire é também fechar o ciclo de carbono. Isto porque, se os motores dos carros emitem CO2 (dióxido de carbono), esse mesmo CO2 pode ser aproveitado como matéria-prima na produção do combustível azul, que por sua vez será utilizado nos carros. O dióxido de carbono fica fechado num ciclo de reaproveitamento.
Localização em Dresden
A célula de combustível de óxido sólido (Solid oxide fuel cell – SOFC) é a chave de todo o processo PTL. Em Dresden localizava-se uma fábrica de SOFC que foi adquirida de forma a controlar um dos elementos mais importantes do processo. A Sunfire nasce e cresce nas antigas instalações dessa empresa.
Benefícios macroeconómicos
Podemos nos questionar se o custo de toda esta tecnologia resultará num combustível mais caro. Os cálculos apontam para um preço de comercialização pouco acima dos 2 euros por litro. É mais caro do que os combustíveis atuais mas se tivermos em conta que um litro de combustível azul tem uma maior força de combustão, chegaremos à conclusão que o consumo será menor do que o combustível tradicional.
No entanto, é no domínio macroeconómico que reside o grande passo dado pela Sunfire. Nenhum país da União Europeia produz petróleo e todos os anos gastam-se mais de 200 mil milhões de euros a comprar petróleo de países externos. Se todo esse dinheiro não sair da Europa, estaremos a investir no nosso próprio continente, criando negócio, postos de trabalho e gerando riqueza interna. Toda a matéria-prima pode ser extraída na Europa, todo o equipamento pode ser produzido na Europa e por isso é possível diminuir drasticamente o fluxo de dinheiro para o exterior.
Outra das grandes vantagens macroeconómicas é que a variação do preço deste combustível será muito pequena, visto as matérias-primas (água, eletricidade e dióxido de carbono) oscilarem pouco os seus preços, ao contrário do petróleo.
Inovação
Os processos utilizados pela Sunfire não são novos no sentido estrito. A eletrólise de alta temperatura, o reator de conversão e o processo de Fisher-Tropsch já existem há muito tempo e com aplicações em diversos ramos. Por exemplo o processo Fisher-Tropsch foi inventado em 1920, e é o mesmo processo (com algumas adaptações) utilizado pela Shell para a produção dos seus lubrificantes PurePlus, a partir de gás natural.
O que faz da Sunfire uma empresa única e inovadora é conseguir combinar vários processos numa única planta produtiva, capaz de produzir o Crude Azul, de forma sustentável. Os subprodutos da produção PTL são o oxigénio e água, que não são nefastos para o ambiente e podem ser reutilizados no processo.
Custos de implementação
Visitamos a planta produtiva em Dresden que ocupa um espaço de poucos metros quadrados no solo, mas que se eleva em altura. Ao percorremos os seis andares do edifício, o sentimento é de que estamos numa estação espacial, tal é a quantidade de tecnologia que está em cada andar.
Explicam-nos os técnicos de que “parece muito complexo porque está tudo concentrado, é uma linha de produção em miniatura mas que pode ser alargada”. O objetivo foi criar uma planta produtiva modular, ou seja, o investimento inicial para se ter uma linha de produção PTL é baixo, equivalente a uma fábrica de médias dimensões. Neste momento, o módulo produtivo tem a capacidade de produzir cerca de 160 litros por dia de crude azul. Quando comparado com o investimento necessário para a procura, extração e refinamento do petróleo, são evidentes as vantagens deste processo.
É possível assim ter uma produção PTL integrada numa fábrica de cosméticos por exemplo. Ou se uma empresa não quiser investir muito, começa com um módulo e depois conforme o negócio vai crescendo, é só acrescentar módulos para ter uma capacidade de produção maior. O processo de destilação e refinamento é mais fácil (consequentemente mais barato) visto o Crude Azul não conter as milhares de impurezas que o crude de petróleo tem.
Relação com a Audi
Assim que conseguiram produzir o Crude Azul, como este tem utilidade em diversas industrias, a Sunfire criou parcerias com uma empresa de cada indústria e no caso do automóvel foi com a Audi.
A Audi aparece assim no final do processo, mas tem sido de grande valia. Além dos seus engenheiros partilharem conhecimentos técnicos, a Audi ao “anunciar a parceria deu-nos uma projeção internacional que de outra forma não teríamos. Precisaríamos de investir muito em comunicação e o nosso foco perder-se-ia” comenta um dos responsáveis da Sunfire. A indústria automóvel representa uma pequena parte da utilização do crude, pois existem outros grandes consumidores como é o caso da indústria, o transporte marítimo e aeronáutico, entre outras.
Do ponto de vista técnico, a Audi não precisará de modificar os seus motores. Ao contrário de soluções de combustíveis como o GPL, GNL ou outros, o combustível da Sunfire não necessita que os motores sejam adaptados, funcionado normalmente, tanto nos motores a diesel como nos motores a gasolina. Evitam-se assim milhares de euros em desenvolvimento de novos motores, sendo que necessita de menos combustível para percorrer os mesmos quilómetros, diminuindo assim o consumo.
Se dúvidas houvesse acerca das capacidades e potencialidades do combustível azul, foi colocado no carro da Ministra Alemã da Educação e Investigação – Audi A8 3.0 TDI – o combustível azul que tem funcionado na perfeição. Esse carro tem sido frequentemente abastecido com combustível da Sunfire, servindo de “cobaia” para analisar quais os desenvolvimentos do combustível azul em situação real.
Comercialização
A criação de outras plantas produtivas PTL está para breve, mas ainda faltam ser feitos os últimos ajustes no processo produtivo para que este melhore a sua eficiência. Tudo aponta para que as primeira unidades PTL fora de Dresden sejam inseridas em unidades produtivas dos parceiros e/ou acionistas da Sunfire.
No que concerne a área automóvel, a Sunfire tem um acordo de exclusividade com a Audi. Por isso, para o combustível azul ser vendido ao público, terá de o ser através da Audi. De que forma o será, a empresa ainda não pode divulgar. A comercialização ao público é um tema complexo, até porque um dos acionistas da Sunfire é o grupo petrolífero Total.