Constituída em fevereiro de 2002, a Valorpneu dedicou o primeiro ano de existência à preparação do seu caderno de encargos, obtenção de licenciamentos e negociações com operadores de recolha e reciclagem de pneus. Só em fevereiro do ano seguinte (2003) arrancaria com um amplo sistema informático global articulado, onde vários operadores passariam a atuar, com sucesso indiscutível até aos dias de hoje.
A Revista Automotive entrevistou Climénia Silva, diretora da Valorpneu, à frente desta entidade desde a sua constituição, que aqui faz um resumo de 20 anos muito exigentes, desafiantes e de grande importância para o nosso meio ambiente. Duas décadas de muito trabalho, que permitiu criar empresas inovadoras e novos empregos em Portugal.
“Faz este mês, precisamente em fevereiro, 20 anos que o sistema de gestão integrado da Valorpneu foi concebido. Na verdade, fomos constituídos para resolver um problema ambiental, no seguimento de um diploma publicado pelo Estado Português – o Decreto-lei 111 – que visava travar o fluxo de gestão de resíduos. O diploma é homologado na consequência de diretivas comunitárias que obrigaram a que assim fosse, e dirigia a responsabilidade do tratamento de pneus em fim de vida a quem os introduzia no mercado.
Gestão equilibrada
Porém, nem sempre quem os introduz (também designado por produtor) pode ser quem os fabrica. Seja como for, a partir do momento em que o pneu entra em Portugal fica abrangido pela legislação que responsabiliza o produtor pelo tratamento do pneu em fim de vida. Responsabilidade essa que tem de passar por uma entidade gestora. Os produtores precisam, assim, de aderir à Valorpneu para cumprir com esta obrigação, agora, denominada também de – responsabilidade alargada do produtor.
Graças à organização do nosso sistema informático, conseguimos gerir todos os pneus gerados em Portugal Continental e regiões autónomas com recurso a uma Rede de Centros de Recolha de pneus, distribuídos de norte a sul do país (e regiões autónomas). Inicialmente, eram 13, hoje, são 52. É aqui, a partir destes Centros, que obtemos a visão geral da quantidade de pneus que temos na rede, pois o depósito dos pneus por parte dos detentores, nos agentes de receção, passa por um registo no sistema informático da Valorpneu.
Para que esta gestão seja equilibrada, fazemos um planeamento semanal e mensal, onde atribuímos cargas, isto é, as saídas desses Centros de Recolha para os destinos finais com as cargas devidamente contratadas. Os recicladores, que não deixam de ser indústrias, necessitam não só desta gestão muito bem organizada como de ter quantidade – e qualidade (pneus descontaminados) – regular de pneu para exercerem a sua atividade. Algumas destas indústrias vivem, em exclusivo, do pneu.
Depois deste planeamento, programa-se o levantamento de pneus no Centro de Receção por camiões para, de seguida, entrar no sistema informático e o reciclador o poder transformar nas suas partes físicas (aço, borracha e têxtil). A borracha é o que mais nos interessa e tem como destinos principais os relvados sintéticos, os pavimentos desportivos (a maioria) e a indústria de isolamentos.
Sensibilização
Temos investido muito em desenvolver campanhas informativas e alternativas de sensibilização no mercado. Desde 2019 que promovemos o Prémio Inovação Valorpneu, conhecido agora por Inov.ação, porque nos apercebemos de muitos projetos desenvolvidos em academias, laboratórios e instituições científicas, demasiado interessantes para ficarem apenas pelo papel.
Criámos, também, com a empresa multinacional Genan, e a Beta-I (consultora em inovação,), o Next Lap (já com segunda edição), um programa que coloca face a face inovadores e parceiros (a Decathlon e as Estradas de Portugal são 2 exemplos) para um cruzamento entre as ideias e alguém que as possa potenciar porque as soluções no final da cadeia são vitais para um bom início do processo e até durante. Sem soluções para os materiais que derivam dos pneus, que destino irão ter os pneus usados em geral?
A Valorpneu tem sido uma referência para os países da Europa – e não só (Brasil, África do Sul) – que constituíram entidades gestoras depois de nós, preocupando-nos em lhes transmitir a nossa forma de trabalho, sendo que a Europa se desenvolveu já baseada neste princípio de responsabilidade alargado do produtor.
O sistema, no fundo, é simples. A dificuldade é articulá-lo e conjugá-lo com os operadores. Para isso, promovemos a formação e sensibilização dos operadores, realizando, anualmente, o Encontro Valorpneu que já vai na sua vigésima edição, onde se reúnem todos os operadores e parceiros, de norte a sul do país.
Articulação
Neste momento, estamos com uma recolha muito acima da nossa capacidade, um problema para nós porque somos financiados a 100% sobre os pneus declarados, mas na prática recolhemos 115%, mais do que as declarações feitas, isto significa que há produtores fora do sistema. Garantidamente, trabalhamos todos os anos muito mais pneus do que os declarados e financiados.
A articulação com as entidades de inspeção torna-se aqui fundamental e é óbvio que temos a perceção real de quem está fora do sistema, mas como não queremos promover o abandono do pneu, arrancamos com ações de sensibilização para o efeito, entre elas estão: Webinares, o Circuito Portugal Valorpneu, onde, em 2019, visitámos 3000 instalações de pneus usados para transmitir as melhores práticas, e o Panda feito de pneus pelo escultor Bordalo, em 2022, artista que usa resíduos na construção das suas esculturas. O Panda foi feito com 1000 pneus e teve 8 metros de altura. Isto, sem deixar de parte as iniciativas educativas dirigidas aos mais novos nas escolas.
Para 2023, há mais desafios para cumprir. Aderimos, recentemente, a um operador no Algarve à luz das novas normas emitidas pela Agência Portuguesa do Ambiente; vamos abrir um novo Centro de Recolha em Beja; existirão novos Centros a serem substituídos e queremos manter o excelente nível de reciclagem que estamos a conseguir em Portugal.
O ano passado, trataram-se 86 mil toneladas de pneus, parte seguiu para valorização energética, parte para a recauchutagem (a rede de empresas de recauchutagem aderente à Valorpneu é constituída atualmente por 21 empresa, ndr.), se estiver em condições de ser recauchutado”, salientou Climénia Silva.