O local onde se realizava o salão automóvel de Genebra (extinto), cedeu lugar ao salão Watches & Wonders(W&W); em simultâneo com dois outros salões de relógios: Time to Watches na Haute École d’Art et de Design e o WPHH – World Presentation Haute Horologerie na Domaine du Grand Malagny.
Todos realizados na cidade de Genebra. Porém, com organizadores e expositores diferentes. As razões que levaram esta esplendorosa demonstração de diversidade, variedade e escolha, predem-se por razões de discordâncias que levaram a que cada marca escolhesse opções diferentes. Quem ganhou? Todos.
O público, porque pôde usufruir de três tipologias de abordagem; as marcas porque puderam escolher a sua forma de comunicar com os clientes; os hotéis, a restauração, etc., dinamizando uma economia circular de qualidade, conforto e conhecimento.
Qualidade
Como no W&W havia mais expositores, vamo-nos focar neste evento. O salão privilegiou acima de tudo, o bem-estar e conforto dos seus visitantes, em todas as suas vertentes. Por exemplo, no salão automóvel só existia um minúsculo balcão que servia sandes e bebidas; na W&W contámos 20 locais de restauração diversificados entre si, com um leque de opções do mais simples ao mais sofisticado, para todas as carteiras e preferências.
Com incontáveis lugares sentados e mesas disponíveis para usufruir e saborear as deliciosas iguarias. Nos corredores, havia lugares para sentar e apreciar os expositores e a exposição; para fazer uma pausa revigorante, para um momento de deleite ou simplesmente descansar.
Em termos de pujança expositiva, poder comunicacional e acolhimento dos visitantes por parte das marcas, todos refletiram a sua filosofia empresarial e posicionamento. Nada comparável com os automóveis, que vertiam dinheiro em stands, onde a comunicação se fazia com panfletos, pouco amiga do cliente (com cavalagem, potencia, rotações); enquanto o cliente procurava: preço, disponibilidade, diferenciação, informação pertinente e que o ajudasse a fazer a melhor escolha de acordo com as suas necessidades/desejos, quem sabe uma promoção da marca para quem adquirisse a viatura no salão…
Arte e bom ambiente
Na W&W, exceto as marcas organizadoras (Rolex/Tudor, Patek Philippe e Chopard), todas as outras marcas tinham espaços standards: padronizados, harmoniosos entre si, práticos, funcionais; muito agradáveis ao olhar.
A criatividade de cada marca verificava-se no interior de cada stand e refletia a filosofia e o posicionamento empresarial e comunicacional de cada uma. Numa demonstração clara de que sabem de onde vieram e para onde querem ir. Ao contrário das marcas automóveis que não valorizam a sua história – nomeadamente nos elétricos –; não valorizam os seus produtos: os carros têm basicamente o mesmo chassis só muda o desenho do plástico à volta; e não sabem para onde querem ir: gasóleo, gasolina, híbrido, elétrico, hidrogénio, gás, etc.
Por exemplo, a U-Boat optou por um ambiente renascentista, com painéis a reproduzir o nascimento da primavera de Boticelli. A delicadeza e o frescor da pintura a óleo eram continuados pelos modelos de relógio da U-Boat, compostos por mostradores de grandes dimensões, robustos e inclusive banhados a óleo.
A Chronoswiss trouxe o torno da sua fábrica, para demonstrar a complexidade que é tornear os seus mostradores. A Jaeger Le Coultre, além de ter um espetáculo permanente com uma cascata, evidenciou os trabalhos manuais, ao ter, entre outros, um artesão da Casa Fagliano em permanência a criar as braceletes em couro. A Chopard, com o seu imenso stand, optou por destacar a atriz Julia Roberts (uma das suas embaixadoras), que marcou presença no salão, fazendo o deleite dos presentes.
Magia do tempo
Tendo o menor stand do salão, a Charriol nem assim ficou atrás das “grandes” marcas, com um stand tão bem decorado e acolhedor, que dava a sensação de estarmos a entrar dentro de uma joia. Por falar em joia, a Van Cleef & Arpels apresentou um stand também inspirado na sua coleção de joias. Com traços de inspiração Art Noveau, a Van Cleef & Arpels criou uma floresta feérica, onde resplandeceram as suas criações de relógios embutidos em joias, ou de joias que contém relógios – a diferença entre os conceitos dissolve-se na magia do tempo e espaço.
A Ulysse Nardin, recriou um relógio gigante, onde os visitantes podiam andar dentro dele e “sentir por dentro” os mecanismos que os compõem. Um espelho de grandes dimensões permitia aos visitantes eternizarem-se dentro do relógio, sem ter de recorrer à – já fora de moda – selfie.
Longe vão os tempos da relação profícua entre automóveis e relógios. Vale lembrar o Smart original, diferente do atual fabricado pela Geely, que perdeu o conceito, mas leva o nome.
Não ignorando nem esquecendo a sua história, a TagHeuer apresentou o seu novo relógio comemorativo dos 60 anos do modelo Carrera. Adicionalmente expôs uma viatura, o primeiro modelo Carrera da Porsche. A Fórmula 1 ainda mantém a sua presença na TagHeuer, que lhe dedicou uma coleção inteira – vale a pena lembrar que os relógios também fazem parte de pagamentos: haja visto o leilão que foi feito pela Christie’s dos relógios de “coleção” de Jean Todt, ex-presidente da FIA.
A IWC também fez a ponte entre engenharia de relógios e engenharia automóvel, ao expor o Mercedes-Benz C 111-iii, uma viatura icónica em termos de desenvolvimento para a indústria automóvel. Se por um lado a Chopard apelou ao público feminino com a Julia Roberts, por outro, tentou aumentar a sua atratividade ao público masculino, com as coleções da mítica (e ainda parcamente existente) prova automobilística Mille Miglia.
Acessibilidade
Há pontos a melhorar, a evoluir e a rentabilizar. Como por exemplo, nos acessos ao local do salão, mantém-se a confusão de há anos. Perduram as obras ao redor do aeroporto de Genebra que, por proximidade, também afetam o salão. As placas e informações do fluxo do trânsito mudam a cada dia e torna-se um caos todo o entorno. O parqueamento também tem carências, não há demarcação de lugares no estacionamento, por isso encontrámos muitas pessoas à procura do seu carro sem poder indicar qual o número da vaga ou tampouco a fila, vá lá, lembrar do piso, já não é mau!
O estacionamento subterrâneo, tem o espaço de manobra muito reduzido, quem trouxe o seu Ferrari, Lamborghini ou outra viatura semelhante, não tinha um local próprio para parqueá-lo. Foram horas a fazer manobras e percorrer labirintos até conseguir parquear, causando stress, desconforto, claustrofobia e até desistências. Roubou assim, tempo de visitação, boa disposição e bom acolhimento.
Para complicar mais ainda, não existe a zona de Kiss & Go (onde se deixa o passageiro e segue-se viajem), o que provoca filas (com “toques”) desnecessárias, condicionamento do trânsito e toda a gente sai da viatura em qualquer lugar (lentidão e sujeição ao atropelamento).
Ouviu-se rumores de que estão a planear voltar a fazer o salão automóvel em 2024. Convém que antes colmatem as deficiências que antes já havia e as que agora são claramente evidentes. Sob pena de ser em 2024 e depois nada mais…