Sempre que uma mão segura um volante com um cronógrafo a correr no pulso sabemos que estamos no início de um momento de grande excitação. O prazer que se sente nestes momentos tem uma mecânica própria que é partilhada entre relógios e carros. Trata-se do controlo sobre o que é aparentemente incontrolável.
Num carro controlamos explosões, num relógio algo mais difícil de controlar: o tempo. Tanto os carros como os relógios têm motores, na verdade os motores dos relógios chamam-se apenas movimentos. Existem vários pormenores técnicos partilhados entre os carros e os relógios, ambos têm escape, rodas dentadas, rolamentos, rotores, veios, óleos, vidros, correias, entre outros.

Existem, no entanto, alguns relógios muito raros que têm uma peça também muito rara nos carros: triângulos Reuleaux. Estes triângulos são típicos dos motores Wankel, que equiparam 80% dos motores dos aviões na Primeira Guerra Mundial, tal como alguns Mazda até 2012. Os primeiros motores Wankel equiparam o Mazda Cosmo Sport 110S, mas os mais famosos foram os Mazda RX7 e RX8, que se tornaram mesmo ícones da marca.
Em relojoaria, os triângulos Reuleaux são ainda menos comuns, nunca foram adoptados por nenhuma marca, apenas podem ser vistos nos relógios de Derek Pratt. Felix Wankel e Derek Pratt partilham uma coisa em comum, nenhum dos dois foi engenheiro. Felix Wankel nem sequer tinha carta de condução. Foram ambos geniais nas suas criações, contudo, nenhuma destas criações ganhou uma expressão dominante no mercado.

Na mecânica automóvel, os motores Wankel são considerados uma alternativa aos motores de pistões, com vantagens e desvantagens algo controversas. O seu funcionamento implica rotores em forma de triângulo de faces curvas convexas, em vez de pistões. Estes rotores rodam de forma excêntrica no interior de uma câmara em forma de 8. Os vértices do triângulo estão sempre em contacto com as paredes da câmara. Assim, se uma mistura for injectada num dos espaços entre uma das três faces do triângulo e a parede interior da câmara, quando esse espaço diminuir de tamanho, irá haver uma compressão na subsequente redução de volume, enquanto o rotor gira. Desta forma, produz-se o clássico ciclo de quatro tempos – admissão, compressão, explosão e escape. Para além disso, as três faces do rotor encontram-se em três fases diferentes do ciclo ao mesmo tempo.

Nos relógios de Derek Pratt, existe um mecanismo que também contempla um triângulo Reuleaux, este encontra-se no que se designa por escape do relógio. O escape tem uma peça chamada de âncora que é equivalente às bielas dos motores de pistão, só que, no caso dos relógios, transforma o movimento rotativo que recebe das rodagens em pequenos impulsos periódicos.
Sempre que se dá corda a um relógio mecânico enrola-se uma mola que fica sobre tensão dentro de um invólucro em forma de tambor. A âncora é a peça que impede que esta mola se desenrole completamente de uma só vez. Fá-lo através de duas palhetas de rubi que tocam e se libertam alternadamente dos dentes de uma roda, a roda de escape.
A inovação de Derek Pratt consistiu em colocar uma mola extra em forma de espiral, com uma forquilha de dois dentes e um triângulo Reuleaux no centro da mesma. Desta forma permitia que o processo de escape fosse submetido a uma força constante, o que atribuía precisão ao funcionamento do relógio.
Escusado será dizer que Derek Pratt conduzia um Mazda RX7.

Autor:
Nuno Lopes Margalha Director do IPR – Instituto Português de Relojoaria
www.institutoportuguesderelojoaria.pt