Com base num projeto realista e promissor, a Black Star investiu no desenvolvimento de um ecossistema integrado para dar uma segunda vida aos pneus usados, reutilizando a unidade industrial do antigo fabricante Bridgestone, entretanto desativada, espaço onde implementou a produção de pneus 100% renovados da marca Leonard.
Para conhecer por dentro esta empresa e a sua abrangência, a Revista Automotive deslocou-se à fábrica dos pneus Leonard localizada em Béthune (norte de França), onde entrevistámos Laurent Cabassu, diretor geral da Black-Star, que nos conta como – pela primeira vez na história – uma fábrica que produzia pneus novos foi totalmente transformada e aproveitada, para produzir pneus renovados para carros ligeiros.
Laurent Cabassu explica-nos que “o objetivo foi implementar algo completamente diferente do que existia no mundo da recauchutagem, e por isso denominamos os nossos pneus de renovados, porque na sua produção contém processos diferentes da tradicional recauchutagem. Queríamos produzir em massa pneus renovados com qualidade e performance equivalente a um pneu novo.
O nosso projeto era único porque até hoje, todos os pneus recauchutados para carros ligeiros, eram vendidos a um preço inferior aos pneus novos mais baratos no mercado (tipicamente os pneus chineses).
O segundo objetivo era ter um impacto ambiental e social positivos. Social, porque esta fábrica em Béthune tinha uma importância social elevada para a região: nos melhores anos, chegou a empregar 1600 trabalhadores, e quando encerrou ainda trabalhavam cerca de 800 pessoas.
O impacto no ambiente é claramente positivo: prolongamos a vida útil dos pneus, mantendo-o em solo europeu e onde conseguimos poupar 63% de emissões de carbono (quando comparado com a produção de um pneu novo) e aproveitar cerca de 80% de matéria-prima ao produzir o pneu renovado.
O terceiro objetivo é gerar um modelo economicamente viável para a fábrica e para os clientes, sejam eles distribuidores de pneus ou oficinas, garantindo-lhes uma margem justa.
Experiência na Recauchutagem
A Black-Star foi fundada em 1979, tendo como atividade principal a recauchutagem de pneus. Á época, deveriam existir cerca de 40 a 50 empresas em França que recauchutavam pneus para ligeiros de passageiros, e na Europa existiam muitas mais. No entanto, nos anos 2000 houve uma entrada massiva de pneus chineses no mercado europeu, extremamente baratos. Esse fenómeno marcou o fim das empresas de recauchutagem de pneus para ligeiros.
Contudo, os recauchutadores de pneus para veículos pesados e máquinas (OTR) mantiveram-se, sendo hoje detidos pelas principais marcas de pneus novos (Michelin, Bridgestone, etc). Estima-se que o mercado de pneus recauchutados para pesados e máquinas, represente hoje cerca de 30 a 40% do mercado na Europa. Quanto aos pneus recauchutados para ligeiros, essa percentagem é praticamente zero.
A única empresa em França que se manteve a produzir pneus recauchutados para ligeiros foi a Black-Star, focando-se em produtos de nicho, para fins muito específicos, produzindo menos de 100 mil pneus por ano.
Em 2019 houve uma mudança de acionista, onde Jean-Baptiste Pieret (dono da Black-Star) anteviu que o futuro seria investir na economia circular, e no caso dos pneus para ligeiros, estavam na dianteira do conhecimento. No entanto, a sua fábrica não tinha capacidade para se modernizar, é aí onde entra a Mobivia.
De forma resumida, Mobivia é um negócio familiar, que detém a Norauto, Midas, Carter-Cash (entre outros), com 2500 oficinas na Europa (França, Itália, Alemanha, Bélgica, Espanha e Portugal).
A Mobivia tem um histórico muito grande na valorização dos resíduos produzidos nas suas oficinas, onde têm o seu próprio sistema de recolha e valorização (baterias, óleos, peças automóveis, entre outros). Os pneus eram uma lacuna e a Black-Star surge como uma solução viável.
Parceria Mobvia e Black-Star
A parceria entre Black-Star e a Mobivia concretiza-se em 2020 quando a Bridgestone anunciou o encerramento da sua fábrica em Béthune. Esta fábrica chegou a produzir 4 milhões de pneus por ano. Foi uma fábrica construída nos anos 60 pela Firestone, passando depois para a Bridgestone, onde se produziam pneus de ligeiros para primeiro equipamento para a Toyota.
Na indústria de pneus, todos sabemos que o primeiro equipamento é onde a qualidade é máxima, por isso o facto da fábrica ser antiga não implicava que as suas máquinas o fossem, daí produzirem para primeiro equipamento.
Depois de várias negociações (em meados de 2021) a Bridgestone concordou em dar a totalidade da fábrica de Béthune e todo o equipamento desta à Black-Star e à Mobivia. A Mobivia comprou 60% da Black-Star e tinha em mãos uma fábrica de 45 mil m2 de pneus novos, para convertê-la em pneus renovados.
A Bridgestone ajudou-nos nesse processo de reconversão, do ponto de vista técnico, tecnológico e até de pessoal, onde absorvemos trabalhadores da fábrica. Tivemos cerca de 6 meses para conseguir converter a fábrica, ao mesmo tempo que desenvolvíamos os pneus, com todas as complexidades tecnológicas que isso envolve. Em finais de 2022 conseguimos afinar o processo de produção de pneus renovados em escala, e criámos a marca Leonard.
No início de 2023, começámos a comercialização dos pneus Leonard no mercado interno, no norte da França, suportados pela Mobivia. Os resultados foram excelentes. Tanto as oficinas como os clientes ficaram muito satisfeitos. Em termos de valores, o pneu Leonard é cerca de 35% mais económico que um pneu premium, mas somos cerca de 20% mais caros que um pneu budget, e 40% mais caros que um pneu recauchutado tradicional.
Tínhamos previsto iniciar a comercialização apenas em 2024 nos outros países onde a Mobivia está presente, mas o sucesso foi tal, que nos pediram para antecipar, e por isso, logo em 2023 já se vendiam pneus renovados Leonard pela Europa afora.
Expansão comercial e frotista
Felizmente, e fruto da qualidade e rentabilidade dos nossos pneus, desde setembro de 2023 que alargámos as vendas para parceiros fora do grupo Mobivia. Assinámos acordos com as prestigiadas redes europeias Euromaster (Michelin), FirstStop (Bridgestone), BestDrive (Continental) e Vulco (Goodyear). Ainda o ano não tinha acabado e começámos a vender os nossos pneus no Grupo Renault, através dos seus concessionários e reparadores autorizados.
Em termos de grupos automóveis, a Renault pediu-nos uma exclusividade de 1 ano. O Grupo está a dinamizar juntamente com a sua rede de concessionários e reparadores autorizados, campanhas para atrair clientes que normalmente não iam mais às suas oficinas: clientes com carros acima de 4 anos e com mais de 100 mil km. A sustentabilidade dos nossos pneus tem sido um atrativo importante nas campanhas, e o resultado está acima de todas as expectativas.
Um grande acordo que assinamos recentemente foi com a Ayvens (ex-Leaseplan), que é a empresa de referência em termos de frotas de automóveis ligeiros de passageiros e de mercadorias. A Ayvens passa a incluir no seu portfólio os pneus Leonard, reconhecidos oficialmente como pneus seguros para as frotas.
Como a Leonard se diferencia dos pneus recauchutados
Uma das nossas principais diferenças é na seleção das carcaças. Temos um parceiro que faz a triagem das carcaças disponíveis no mercado, onde só recebemos carcaças de marcas premium, ou de primeiro equipamento.
Além disso, de 100% das carcaças que recebemos em Béthune, apenas utilizamos 20%. O nosso processo de teste, examinação e seleção é extremamente rigoroso e único no mercado, o que resulta numa taxa de rejeição de 80% das carcaças que nos chegam. A qualidade está acima de tudo.
O processo de armazenagem também difere. Nós não amontoamos as carcaças. Armazenamos em racks, como se fossem pneus novos, e cada carcaça tem um código de barras que a identifica em vários parâmetros. Elas são agrupadas por medidas, com um detalhe: não misturamos marcas, modelos ou fábricas.
Por exemplo, agrupamos todas as carcaças de pneus Michelin, modelo Primacy 4, medida 205/55 R16, feitas na fábrica de Espanha. Se outras carcaças forem idênticas (medida, marca e modelo) mas forem da fábrica de França, são agrupadas em outro grupo. Sabemos que há diferenças microscópicas entre as fábricas e, como referi, não corremos riscos no que toca à qualidade.
Após a armazenagem, escolhemos as carcaças por lotes e removemos a borracha remanescente, através de máquinas de grande precisão. Ao mesmo tempo, produzimos os nossos próprios pisos na fábrica. Em seguida, juntamos os pisos à carcaça.
Depois, vem o processo de cura/vulcanização. Este processo funciona tal e qual como se fosse num pneu novo. A diferença é que num pneu novo a cura é cerca de 6 minutos, e nos pneus Leonard é de cerca de 30 minutos.
Qualidade igual a um pneu novo
De realçar que as máquinas que utilizamos são as mesmas que fabricavam pneus novos. No caso da cura e vulcanização, por exemplo, as máquinas são da Kobelco, um conglomerado japonês que tem uma excelente reputação nas máquinas de cura de pneus para primeiro equipamento. Os moldes que usamos, são os da Bridgestone e por isso, a qualidade do produto final está garantida.
Além disso, o controlo de qualidade do produto acabado é o mesmo que a Bridgestone utilizava nos seus pneus novos em Béthune. Aliás, a Bridgestone fazia 3 testes de qualidade, nós fazemos 4. Cada pneu começa o processo de verificação manual, por um profissional altamente especializado; depois vai para a máquina de balanceamento; máquina de medição de uniformidade.
Por fim, cada pneu é submetido à máquina de shearografia: processo de medição holográfico, uma espécie de “ecografia”, que produz imagens a três dimensões, que permitem registar e visualizar eventuais deformações associadas a zonas defeituosas do pneu.
Produtos comercializados
Na Leonard, comercializamos três gamas de pneus: duas para ligeiros de passageiros (gama verão e gama de 4 estações) e uma para ligeiros de mercadorias (4 estações). Os pneus de 4 estações têm homologação para circularem em condições de neve, indicado pelo floco de gelo nos pneus.
Nos ligeiros de passageiros (gama verão), temos cerca de 42 medidas, das 14 às 16 polegadas, índice de velocidade de T a V. Na gama 4 estações para ligeiros de passageiros, temos 25 medidas, das 14 às 18 polegadas. Nos furgões, dispomos de 14 medidas, das 15 às 16 polegadas, com índices de velocidade de R a T.
Todos os designs de pneus são patenteados pela Bridgestone que nos cedeu as patentes. Eram, na prática, os designs utilizados pela Firestone e comprovadamente de qualidade.
Pneus renovados com garantia
A qualidade é o princípio fundamental que permeia todo o processo produtivo dos pneus Leonard. Damos uma garantia de fábrica de 4 anos aos pneus, algo também único na indústria de pneus renovados.
Em seguida, temos a garantia da sustentabilidade: utilizamos carcaças de proveniência europeia (sendo maior parte francesa) e onde utilizamos cerca de 80% da borracha existente nos pneus que recebemos. Assim, 80% dos pneus Leonard são de origem reciclada.
Quanto à performance, os pneus Leonard foram exaustivamente testados pela Dekra, UTAC e pela Dufournier, nas mesmas condições que pneus novos. Comparamos com pneus novos premium (Michelin, NDR) e com pneus novos budget (Riken, NDR). Os resultados são excelentes.
No parâmetro “travagem em molhado”, a pontuação é igual aos premium. Na “travagem a seco”, está a 94% dos premium. No “curvar em seco” está inclusivé 2% acima dos premium. Na “resistência ao rolamento” está a 85% dos premium, e no “desgaste” está a 70% dos premium. Resta dizer que, em todos os parâmetros o Leonard está acima dos pneus budget.
Não escondemos os números e muito nos orgulhamos que, nos parâmetros relativos à segurança, estamos a par com os melhores pneus novos no mercado, sendo que o nosso é um pneu renovado.
Nos parâmetros de desgaste e resistência ao rolamento, não estamos nos níveis de topo, apenas pelo facto de ainda não termos acesso à mais recente tecnologia de pisos para pneus. Poderá ser um próximo passo.
Futura expansão
No presente momento, já vendemos mais de 180 mil pneus produzidos em Béthune. Significa que, com o nosso processo de renovação e reutilização dos pneus, poupamos cerca de 3.240.000kg de CO2 e cerca de 450 toneladas de borracha. Temos cerca de 100 trabalhadores, e quase a totalidade tem contratos permanentes.
Estou há cerca de dois anos nesta empresa e tem sido um processo muito entusiasmante. Antes vivia em Milão, tive vários cargos de topo, e acumulava um historial com cerca de 20 anos de trabalho na Pirelli.
O comprometimento e o entusiasmo dos administradores da Mobivia e da Black-Star foram dos grandes motivos da minha ponderada decisão de sair de Milão com a família e vir para Béthune. Toda a filosofia desta produção faz sentido. A indústria de pneus novos para ligeiros tem um comportamento 100% linear: produz-se, vende-se, usa-se e depois queima-se. Não há praticamente nenhuma circularidade no seu ciclo de vida.
Nós fomos pioneiros, provamos que somos capazes e que é um negócio que funciona. Dá margem para as oficinas e disponibiliza um produto renovado com segurança para os clientes. Agora, todos os grandes fabricantes querem ter algo igual.
Ultimamente, temos recebido visitas de diversos executivos das grandes marcas, e até de jornalistas de pontos tão distantes, como é vosso caso, vindos de Portugal. Todos que nos visitam têm dito o mesmo: a nossa qualidade está acima de todas as expectativas.
Felizmente, chegamos ao ponto de ter mais encomendas do que capacidade de produção. E as expectativas para o futuro são muito promissoras, principalmente nas frotas, onde as previsões de crescimento são francamente positivas e muito, mas mesmo muito acima do que esperávamos. Estamos agora a trabalhar para aumentar a capacidade de produção, mas essa será gradual porque queremos manter a constância da qualidade e da reputação, os dois pilares que sustentam a marca Leonard”, finalizou Laurent Cabassu, nesta entrevista realizada, presencialmente, pela Revista Automotive.